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SOBRE OCUPAÇÃO NO PAÇO
Daniel Manzione
13.06.2005


"Quando eu canto
Que se cuide
Quem não é meu irmão"

Baioque – Chico Buarque

Ocupar v. t. 1. Estar ou ficar na posse de. 2. Invadir, conquistar. 3.
Tomar ou encher (algum lugar no espaço). 4. Dar trabalho ou ocupação
a. P. 5. Dedicar-se a; cuidar de. Ocupação sf.; ocupante adj. E s2g.

Como todos sabem, presumo, a definição das palavras oriundas do dicionário, é apenas o porto seguro de onde as palavras saem/chegam, para se perpetuarem para outras gerações.

Ou seja, as palavras só estão vivas quando as pronunciamos e nos comunicamos socialmente. Ressemantizamos as palavras, atribuímos novas significações a elas, nos apropriamos ideologicamente delas, mesmo sem nos darmos conta, e às vezes, em atitudes levianas, nem prestamos atenção aos desserviços que prestamos.

Todos esses pressupostos citados acima é um assunto incrível, pertinente e profundo a ser debatido, mas não se trata disso que estou aqui para falar. O assunto que gostaria de tocar tangencialmente e aforismaticamente é o caso "Ocupação no Paço das Artes" (se esse é o nome que se deu a esse evento).

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Ocupação é uma palavra que, tal como diz em uma das definições "aureliescas" significa "invadir, conquistar" "estar ou ficar de posse". Significados corroborados hoje em dia pela prática estratégica de diversos movimentos populares, tal como o MST, MTST, Comunas Urbanas, MSTC e outros.

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Práticas estratégicas e principalmente subversivas, pois tencionam o estado das coisas estabelecidas pela democracia liberal. Para dizer o português claro: A PROPRIEDADE PRIVADA.

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Seus objetivos finais não estão aqui em discussão, mas somente os fatos políticos que estabelecem com o espetáculo capitalista, a mídia em geral e a opinião pública.
 
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As ocupações partem do pressuposto de que existe alguém que domina legalmente determinado local, segundo a constituição liberal brasileira, mas que é de fundamental importância iniciar uma práxis que combata os pressupostos que legalizam a existência desses locais privados.

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As ocupações legítimas são fatos fundamentais pois criam uma cultura da insubmissão anti-capitalista.

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As falsas ocupações, tais como a realizada no Paço das Artes, só prestam um desserviço à prática de luta dos movimentos populares nacionais, pois reduzem o significado da palavra e a tornam socialmente inofensiva.

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INOFENSIVA E PELEGA

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Os Museus são instituições Públicas (de poder do Estado), Privadas (de poder do Capital) ou Mistas. Não é preciso fazer nenhum comentário sobre isso.

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Museus (ainda discutível) e Galerias são Aparelhos Ideológicos do Capital

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A ação oportunista do Paço das Artes, e a adesão leviana (é o que tento acreditar) por parte dos artistas é uma conjunção de forças sociais destrutiva para a continuidade das lutas anti-capitalistas e principalmente seu poder no imaginário social

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O suposto ato de liberdade dos artistas, condensado nos trabalhos que realiza e ações que pratica, o torna um sujeito socialmente desestabilizador. A desestabilidade pode tender para um lado ou para o outro. A falta de consciência dos artistas de sua identidade classista/ideológica pode tornar o artista um sujeito perigoso. De que
lado você samba?

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A sociedade de Classes é uma sociedade integralmente e genuinamente ideológica. Se não tivermos consciência ideológica, numa perspectiva totalizante, dos atos que realizamos, podemos estar, como já disse anteriormente, prestando desserviços à superação do próprio sistema a que estamos submetidos.

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Estamos submetidos, ou nos submetemos.

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O pensamento dialético é o único pensamento possível para se pensar a vida, a política, a sociedade e a arte (ou sua definitiva destruição) hoje em dia e desde 1848.

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Toda denúncia prenuncia um anúncio

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Parafraseando Godard em sua fase Revolucionária: O problema central é que as pessoas que fazem política hoje não sabem muito bem o que é a Arte e não querem entender, pois acham que isso é somente perfumaria,
e as pessoas que se interessam por Arte, não sabem muito bem o que é a luta de classes e realmente o que são as lutas revolucionárias, deixando a cargo da Arte somente uma abordagem ideológico-humanista da
sociedade e de sua possível transformação.

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Ninguém encontrará Debord, muito menos os situacionistas (coisa na moda hoje em dia) senão reencontrarem MARX e o sentido da TOTALIDADE.

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Como somente o pensamento dialético nos redime: Quem é culpado? O PAÇO das ARTES ou os ARTISTAS que estiveram por lá?

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Definitivamente a palavra OCUPAÇÃO estava no local e na hora errada.

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ESTRANHA DORMÊNCIA: OCUPAÇÃO no PAÇO DAS ARTES

Flavia Vivacqua
14.06.2005

Depois de experiências como a do ACMSTC, em que 120 artistas se colocaram em ação, junto a Ocupação Prestes Maia, onde habitavam 2000 moradores do MSTC – Movimento Sem Teto do Centro, em novembro de 2003 e a Favela do Moinho, um ano depois... frente a vivência com os coletivos de arte, que se esforçam para manter uma produção autônoma e pública... fica difícil aceitar qualquer construção histórica cultural. Principalmente quando um espaço público como o Paço das Artes, na USP e uma quantidade enorme de provedores culturais, utilizam-se equivocada mente e no mínimo ingenuamente das questões que envolvem
uma Ocupação. Que sentido há nessa ocupação? Que sutil 'reality show' a cultura se coloca e com qual finalidade!? Comemorar os 35 anos do Paço das Artes ou os R$3,00 de entrada, que os
espaços públicos de cultura do Estado estão cobrando e que torna-se prática do Paço a partir desse evento?
Que estranha dormência impede os provedores de cultura, de reconhecerem e utilizarem as ferramentas que tem a mão? Por que o Paço da Artes e todos que estão envolvidos nesse evento, com a ideia de ocupação e com o reconhecimento da precariedade existente, imprimem esforços de mobilizar e organizar tanta gente, se utilizam do acesso a mídia que o meio cultural naturalmente tem... mas não realizam a ação em sua real potência transformadora? Por que não repensamos nossa situação e nossas ações diante dos problemas do sistema cultural de que fazemos parte? A construção deteriorada da historia, no caso a cultural, se dá nesses
momentos: quando fazemos vista grossa a questões que por terem uma dimensão social, parecem não estar diretamente relacionada a nós; ou quando iniciativas privadas, com interesse particular, ocupam o espaço
público com o discurso de inovação; ou ainda quando somos ludibriados com a espetacularização e nos doamos barato as suas promessas; ou ainda quando perdemos a chance de em um evento reconhecidamente
histórico, de nos mobilizamos verdadeiramente frente aos problemas culturais que nos soltam aos olhos e ouvidos.



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De: Patricia Canetti

15.06.2005


Flavia,

Os artistas foram chamados para ocupar o Paço das Artes num momento em que ele simplesmente fecharia as portas. As curadorias programadas haviam sido canceladas por falta de recursos e havia o agravante político da mudança da secretaria de Cultura que estava para acontecer. E porque não fechar, seria mais honesto, eficaz? Ou, quem sabe o governo podia gostar da idéia e alugava outro espaço para algum Banco Santos da vida ou alguma multinacional do entretenimento... Confesso que pensei ingenuamente que o nome Ocupação conectaria as pessoas a gravidade da situação ou pelo menos fariam elas se perguntar o porque de uma instituição pública dentro de uma universidade estar fazendo uso de um termo tão forte...

Acho que a ação com real potência transformadora está se dando agora com a Ocupação, quando estamos trocando idéias aqui e lá (soube que os textos do Coro foram impressos e colocados no blog low-tec - um enorme quadro-negro com giz e tachinha, que tem a heróica tarefa de conectar os dois espaços do Quebra). O tempo interno da Ocupação está delicioso, parece cidade do interior, temos tempo para prosearmos a vontade!
Só para o seu conhecimento, já que você não tem ido muito ao Paço, o ingresso começou a ser cobrado no início do ano, justamente devido a penúria financeira da instituição.

Aproveito para te dar uma notícia sobre um outro assunto. Amanhã temos no Rio uma reunião para escolha de representantes para um seminário sobre a câmara setorial de artes visuais que, devido a falta de interesse crônica da classe artista por políticas públicas, teve o seu processo paternalizado pela Funarte, que agora escolhe os grupos que vão escolher os seus representantes, formando assim um colégio eleitoral ao seu gosto.
Esse talvez tenha sido "um evento reconhecidamente histórico, que perdemos a chance de nos mobilizamos verdadeiramente frente aos problemas culturais que nos soltam aos olhos e ouvidos".

Abraço,

Patricia

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De: Ricardo Rosas
15.06.2005


Patrícia,

Dessa forma as coisas ficam mais claras. Ou seja, explicam-se certos pontos obscuros. Do jeito que parecia antes, era um uso realmente gratuito (eu diria até sarcástico) da palavra "ocupação", e sem dúvida inspirou mesmo revolta.

Se o que está acontecendo é na verdade a ameaça de fechar o Paço, a coisa muda de figura, e aqui nos vemos na mesma situação quando do fechamento da Casa das Rosas. A ação, então, se justifica, e o nome vira um adendo.

De qualquer forma, a indignação da maioria, seja da Flávia, minha ou de outros (estou falando mais por mim mesmo), deveria ser a mesma se a situação se repetisse em casos que não esse, pois toda "apropriação" de má fé de uma atitude que para os artistas envolve muito mais que pose ou estilo mas urgência de interferir numa realidade muitas vezes cruel, pede sempre uma resposta à altura, que subverta esse mesmo mecanismo indiferente de apropriação.
Abraços
Ricardo

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De: Alexandre Menossi
15.06.2005

ola a todos que recebem estes emails da rede coro (sei que sao muitos)

já que a ação de ocupação no paco das artes e sincera, proponho a todos os artistas interessados a se dirigir
ao paco e ocupa lo de forma desordenada, de forma que o debate possa acontecer lá dentro efetivamente, não
somente na internet. 

farei isto e chamarei todos meus amigos artistas para fazerem o mesmo.

que a arte se desamarre!

alexandre menossi

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De: Ricardo Rosas
15.06.2005

A ocupação literalmente se dá por que o Paço anda mal das pernas, em termos de grana. Coisa que eu não sabia. Nesse caso, a apropriação é perdoável, mas o fato foi divulgado nos releases para a imprensa? Que eu saiba, não. E isso realmente gerou mal-entendidos entre os artistas.

Outra coisa é que esta lista está literalmente rolando num blog-mural no Paço, mas foi pedida autorização a nós para esse uso? A sensação de "vigilância velada" não aconteceria se as coisas fossem mais transparentes.

Por outro lado, acho que esse debate, à parte quaisquer interpretações apressadas, é muito estimulante e vale para que se repense a questão de como coletivos podem estar sendo cooptados pela máquina publicitária e institucional sem se dar conta, como a mistura entretenimento e ação pode estar esvaziando o discurso crítico e permitindo essa cooptação, e como está patente a falta - esta sim mais revoltante que a apropriação indevida - de uma real intervenção em problemas ou situações pontuais quando necessário. Talvez seja esse um momento valioso para que discutamos se a mistura "arte, entretenimento e política" não pode estar sendo minada, por um lado, pela predominância de uma dessas partes, e por outro, pela falta de uma maior asserção em questões concretas e palpáveis.

Não será o "bunker" Daslu um caso muito mais escandaloso que um Paço precário de grana pedir a "invasão" de artistas para uma exposição?

Abraços

Ricardo

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De: Fábio Tremonte
15.06.2005

Ricardo,

é isso mesmo.
Me assusta ver uma guerra entre artistas, uma guerra não declarara, muitas vezes veladas, e na maor parte do tempo sem propósito.
Acredito q devamos nos engajar e lutar contra o que realmente é poder...Daslu...Mensalão...Fome...
Concordo contigo e aperto sua mão...
Fábio



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